, “ Há os grandes escritores e uma legião de escritores menores que tentam assimilar seus estilos.”. Então eu sou da legião dos que tentam ser aspirante a escritor que digere o estilo da legião dos escritores menores, que assimila o estilo da legião dos grandes escritores. Estou bem na fita,
Alguma coisa o fazia lembrar-se do
passado, principalmente, de Marta.
Por que ela não o esperou? Conseguiria melhorar a situação.
Seria logo chamado para tomar posse do concurso, que havia feito e teria um bom
salário. Mas, ela não o esperou.
Anos se passaram, casou-se com outra
e teve filhos. Exercitava exaustivamente amar a vida que tinha. Só que
Marta continuava a assombrar seus pensamentos e sonhos.
Um dia, encontrou-a numa rede social.
Todavia, decepcionou-se, não era mais sua Marta. Parecia ser outra.
Quando ia lhe escrever por
curiosidade, o filho mais novo apareceu e lhe sorriu. De repente, a imagem de
Marta se desbotou e até ficou agradecido por Marta por tê-lo abandonado, pois
assim, ganhou uma família admirável.
Brincou com o menino e em seguida foi
ao encontro da esposa, que lia no quarto. Beijou-a intensamente.
Sempre esperava ansiosa o final do ano, porque, no último dia de aula, colocavam uma blusa nela. O suor da camisa a aquecia de lembranças tanto tristes como alegres. A cada ano, tornava-se menos fria e vazia.
Quando nasceu, a mãe pereceu e as
flores murcharam. Diziam que era maldita, mas, a velha empregada não desistiu
da menina.
Cuidava dela com luva, máscara e percebeu
que apesar da criança ser tóxica, o seu
olhar transbordava amor. O tempo passou, o bebê tornou-se uma jovem
"feinha", entretanto, era muito caridosa com todos, para não
envenenar ninguém. Lembrava-se de cada morte de bichinhos, que tocou por
curiosidade quando pequena.
À medida que seu amor aumentava,
sentia que se tornava mais tóxica. Por isso, colocava roupas e luvas
impermeáveis e dormia num quarto especial, o qual protegia o mundo de seu
veneno. Aonde ia, os habitantes acostumaram-se ao vê-la travestida
de astronauta.
Habituara-se à solidão e a achava
necessária, assim, ninguém se machucava. Ajudar a todos se tornou sua
alegria e compartilhava seus sentimentos com a velha empregada que a salvou do
medo e da ignorância humana.
Começou a pensar como poderia morrer
em paz, sem contaminar o ambiente. Decidiu fazer uma manta especial e deu
orientações para a senhora cuidar de seus restos mortais. Torcia falecer
primeiro, só confiava em sua "bá" para fazer o serviço.
Anos se passaram e as duas estavam
cada vez mais unidas. Quando a velha empregada estava muito doente, pediu-lhe
para tirar a máscara e lhe dar um beijo na testa. Disse para confiar nela. A
outra sentiu medo, porém, cedeu ao pedido.
Ao tirar o capacete entrou, pela
primeira vez, em muitos anos, em contato como o mundo e se sentiu desprotegida.
Beijou a empregada que fora sua mãe. Percebeu que a senhora não passou mal
e que nada morreu ao seu redor. Estava curada.
Então, percebeu o sacrifício que sua “bá”
fez, chorando de tristeza e alegria. Agora, entendia o porquê de a senhora
rezar baixinho por horas a fio em todos os recantos da casa. Apesar de usufruir
a liberdade, sentia culpa.
Precisou de certo tempo para
assimilar sentimentos tão conflitantes.
Está tão absorto num filme de suspense que se
esqueceu de trancar as portas. Um desconhecido entra e o espreita, segurando
uma faca. Mas, o vizinho viu alguém a entrar na sua casa e pega a arma...
Quem escreve esta narrativa, fica tão compenetrado que não percebe
alguém entrar no recinto. Quando está
prestes atacá-lo, uma naja surge e o pica. O dono da casa além de ser escritor,
gosta de criar cobras venenosas.
“Não adianta, estou sem inspiração. Vou apagar esta porra e dormir. Mas,
ainda sinto que tem alguém na casa a me observar... Tomara que a noite acabe
bem, apesar de sentir um peso no peito e pensar em Helena.”
“Quem ele pensa que é, para me descartar. A última coisa que verá, será
meu rosto gozando ao vê-lo morrer. Daria uma cena maravilhosa para o seu livro,
não? Sempre foi um escritor medíocre.”
Quando acordo, ela não vem. Já me conhece a danada. Ela sabe que quando acordo, continuo a dormir e o processo do meu acordar se assemelha a um parto. Quando estou acordado totalmente, ela começa a me lamber, para tirar a placenta que me envolve. Depois, começa brincar, a latir e a se distrair com outras coisas. E eu corro para tomar banho e começar o dia.
"Tenho um pouco de medo, medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é feito por mim?ou se faz sozinho?" Clarice Lispector
- Querido, esta festa está se arrastando. Parece que estou aqui há séculos. - Tenho a mesma impressão. Ouço as mesmas piadas e conversas. -Vamos embora! - Querida, será deselegante sair cedo da festa. Além que lá fora está tão escuro e deserto. - Prefiro a escuridão a ficar neste lugar. Sei lá, lançar-me no abismo seria melhor. - Talvez. Não aguento mais comer e beber, sinto-me enjoado. - Vamos querido, estamos aqui há muito tempo. - E os outros, não sentirão a nossa falta? - Estão mergulhados em si mesmos, que nem perceberão. - Antes de ir, só quero dizer que te amo. - Eu, também. - Querido, olha pela janela! O sol está nascendo! - É mesmo! Parece que já tinha me esquecido desta bela cena. Abraçaram-se e depois saíram da festa. Mesmo se sentindo livres, tinha um pouco de medo do que encontrariam pela frente.
"Estou estranha de novo, preciso fechar bem as
portas. Quero ser uma boa esposa e mãe. Mas, minha carne treme e surgem certos
pensamentos. Não posso trair minha família, chega de encontros casuais. Lauro
me disse que daria mais uma chance, não posso decepcioná-lo . Espera, quem é
aquele rapaz de bicicleta em frente da minha casa? Olha fixamente para mim. É
tão forte... Farei cara de brava, quem ele pensa que é? Amo minha família,
posto isso no face várias vezes. Vou verificar as portas... Estão bem trancadas,
mas, os pensamentos fluem. Vou tomar um banho bem frio e fazer um chá de
camomila... Ainda bem que ele foi embora."
" Pô, que pipa massa no telhado desta casa. Mas, a tia da janela tá
me olhando de cara feia. Nem vou pedir para me deixar subir, ela tem cara de
quisumbeira. Mensagem no telefone, é minha mãe. Que chata, eu sei do horário da
minha escola. Caralho, já tenho 19 anos... Outra pipa caindo na árvore,
fui!"
Pela janela do quarto, esperava seu amado. Tinha paciência e não se
importava com o tempo.
Anos se passaram e o dragão que a guardava, morreu de velhice e se
tornou em uma montanha de ossos.
Um andarilho sem rumo vagava por
uma estrada e encontrou uma vereda escondida, por uma densa vegetação. Não
sabia a razão, mas, o atalho parecia familiar.
Encontrou um castelo em ruínas e uma montanha de ossos ao lado. Ouviu
uma senhora lhe chamar pela janela da torre, convidava-o para entrar.
A idosa ao vê-lo correu e o beijou. O andarilho não se assustou,
pressentiu que o encontro estava escrito. A desconhecida faleceu em seus braços
e ele a enterrou com um afeto que nunca sentiu por ninguém.
Olhou ao redor e “só havia morte”, pensou. Entretanto, viu os animais
caçando e a nutrir suas crias. A vida
continuava fluindo como um rio. Apanhou tudo que encontrou de valor e seguiu
seu caminho.
Aproximou a mão no peito, para sentir o colar que tinha retirado da
senhora. Pela primeira vez, não se sentiu sozinho. Transbordou-se de amor.
Editei uma foto que achei no Google, coloquei um monte de efeitos. Confesso, sou sem noção.
Foi criado por mulheres, mas, identificava-se com a
avó, uma senhora forte e com valores sólidos. Todos diziam que era a
"patriarca" da família.
Ao crescer, o neto se espelhou na avó e quando esta morreu, ficou com
algumas roupas e joias dela. Nos momentos de dificuldade, ele as usava para
absorver a força da senhora tão distinta.
Certo dia, ao ver a mulher com uma conversa suspeita, começou a segui-la
travestido na avó.
Então, pegou-a em flagrante. Ela estava aos beijos com uma colega de
trabalho num parque afastado da cidade.
Pegou o revólver e atirou três vezes. Considerou que era seu dever
acabar com a pouca vergonha.
Quando era menino, lançava-me ao desconhecido de peito aberto. Não sabia o
que era medo.
O pessoal lá de casa começou a falar que não podia sair sozinho, porque o
monstro me pegaria. De tanto me dizerem, o mostro surgiu em todo lugar, até no
meu quarto. Senti bastante medo.
Com o passar dos anos, quando comecei a testemunhar os vários episódios
violentos e absurdos do mundo, ele foi se transformando numa criatura frágil.
Até hoje o "monstro" vive comigo. Mora dentro do armário com
pavor de tudo que se relaciona lá fora.
-Vanusa me escuta! Preciso me banhar
na sua Áurea Energética. Quem conseguir se banhar na sua Áurea terá super
poderes, Vanusa. Quero ser poderoso para transformar os políticos de Brasília
em honestos e bondosos, com minha Espada Laser da Justiça Suprema.
Por favor, Vanusa, me libera sua
Áurea Energética, para que eu poça emanar o halo da paz forever para que todos
sejam amigos e caminhem de mãos dadas.
Vanusa, não tenha medo! Tenta me
entender... Não faça isso, Vanusa! Não tira a roupa, Vanusa. Vanusa, na pula da
janela nua, o que os vizinhos dirão. VANUSAAA... Vanusa se foi!
***
Dias depois, recebi uma carta póstuma de Vanusa:
"Querido
Eduardo, eu queria muito te dar minha AURA Energética a você, entretanto, você
queria usá-la para impor sua vontade. Mesmo tendo boas intenções, querido,
seria um ditador com poderes inimagináveis e cercearia a liberdade individual
dos indivíduos de escolher os próprios caminhos. Por isso, que decidi acabar
com minha vida para que não possa se banhar na minha AURA Energética. O mundo é
imperfeito e injusto, mas, acredito na liberdade de escolha e do pensamento de
cada indivíduo. OBS: Eduardo, querido, o certo é Aura Energética e não Áurea
como já vi postando por aí. Aprenda a escrever, por favor! "
O pai vivia na
biblioteca, diziam para não o atrapalhar. Ouvia a mãe comentar que ele era um
acadêmico brilhante. A menina foi crescendo sem se importar com a
ausência paterna. Tinha coisas interessantes para fazer, como brincar no
jardim e desenhar imagens que brotavam da sua imaginação.
Em uma noite,
ela ouviu algo bater na janela do quarto e encontrou um unicórnio. Interagiram através do olhar; a garota subiu no dorso nu do animal e
voaram rumo às estrelas.
A partir desse momento, encontraram-se todas
as noites até o dia em que o pai faleceu.
Mesmo que a menina deixasse a
janela aberta, a criatura nunca mais voltou.
Quando me quebrei em vários
cacos, senti uma dor insuportável por não ser mais inteiro. Colei-me e me parti
muitas vezes e, com o tempo, tornei-me mais forte.
Quando me estilhaçava, colava-me e descobria novas formas de mim.
Compreendi que a inteireza que tinha antes era só aparência.
Diferente, desta que estou conquistando a cada “despedaço”.
Conheceram-se numa festa. Ambos estavam viajando e sedentos por
aventura. Ele a chamou para sair da festa e passear um pouco pela praia.
Completamente sozinhos, caminhavam pela areia e olhavam a lua iluminar o
mar. Depois, mergulharam e transaram.
Tudo estava tranquilo, até, o homem comentar: " Poderia te
matar agora."
A mulher sentiu um frio na espinha e se afastou. Ele percebeu que a brincadeira
foi de mau gosto e se desculpou.
Voltaram ao clima de antes e resolveram ir para outro lugar.
Na estrada, ao fazer uma curva sinuosa, o homem sentiu uma forte coceira
no nariz e espirrou com força, perdendo a direção. O carro caiu no precipício e
explodiu.
Em segundos antes da queda, ela se lembrou de que uma vidente lhe disse
de que um homem iria matá-la um dia.
O homem sobreviveu, sentindo-se culpado pelo acidente e pela brincadeira
sem graça que tinha feito.
Continuo a me assustar com as coisas que
acontecem por aí. Mas, parece que todos se acostumaram com o absurdo e
acreditam que a vida é assim mesmo.
Será que sou só eu, um náufrago em meu quarto, desesperado
com as ondas gigantes com rostos de bestas? Queria tanto me acostumar e a me resignar, não consigo. Mais uma vez, à deriva na madrugada, completamente sozinho. Ainda bem que tenho esperança.
-
Doutora... Já estou muito tempo fazendo essas sessões, mas há um segredo que
nunca revelei a ninguém. É que nunca gostei do meu corpo... Não gosto de ser
homem, mas não me sinto " bicha". Em sonhos, transporto-me para uma
ilha. Eu era uma jovem delicada e havia uma mulher que sempre estava comigo.
Era bela e uma sensível poetisa. Ficávamos juntas no imenso mar recitando
poesias, nadando e se tocando. Ela era
minha mestra-mãe-irmã-amiga-amante. Será que ela é só fruto da minha
imaginação? Por que estamos separadas?
Doutora! O que está fazendo... Dou...
***
Ela
se levanta e vai ao divã, onde está Firmino e o beija. O homem se vê
transformar na jovem através do espelho, que havia no consultório. Amaram-se e
choraram de felicidade. A busca incessante havia terminado.
...Chegaram, ao lugarejo, exauridos. Contaram as
últimas moedas para a estada; não queriam mais acampar no mato. Dormiram por
horas e nem se importaram com o cheiro denso de suor. Quando começou a
entardecer, um desejo brotou-lhes; foram à janela e começaram as carícias. Não
perceberam que uma procissão passava através da janela. O rangido do ventilador
de teto abafava os suspiros.
Imagem manipulada do filme A noite dos mortos vivos de 1968
No inverno as ruas escurecem
rapidamente e ficam mais vazias. Helena anda apressada, quer entrar logo na sua
casa.
Ao chegar, tranca-se e, sentindo-se segura, dá uma arrumação rápida nas coisas,
toma banho e vai assistir um pouco de tevê.
Toda casa está escura, só a luz da televisão ligada. Helena deseja se distrair
um pouco, sente medo de tudo.
Quando começa a madrugada, inicia um filme de zumbi. Helena assiste para matar
saudade dos tempos que assistia estas histórias com os primos. Era muita gritaria
e zoação.
No filme, a heroína está escondida nos arbustos, observa um morto vivo
que lhe parece familiar. Neste momento, Helena sente uma presença na janela. É
seu primo que não via há muito tempo e viciado em crack.
Ele está com os olhos vidrados no filme e, por segundos, Helena percebe que seu
primo e o zumbi trocam olhares que transbordam uma voracidade imensurável.
Helena desliga a tevê rapidamente, corre para o sofá e se esconde nas cobertas.
Reza para amanhecer logo ou cair no sono.
Percebe que o primo se foi, está completamente sozinha no breu da madrugada. Pensa na infância e de como seu bairro foi tranquilo um dia.
De repente, ouve o galo cantar e a
movimentação na rua. Helena relaxa e cochila um pouco, ainda tem três horas de
descanso até o despertador tocar.
Um era impulsivo, o outro mediador e o último controlador.
O que equilibrava, cansado de arbitrar, foi embora para encontrar sua
individualidade. Anos depois, com remorso, voltou. Percebeu que a casa
não fora destruída e os irmãos que sempre estavam em conflito, viviam em
harmonia.
Descobriu que eles encontraram seus lados de mediadores e se resolveram
sem a sua ajuda.
Enquanto ele para se sentir completo precisava deixar seu
lado impulsivo e controlador se digladiarem.
É uma bela jovem e dirige sozinha pela estrada em busca de liberdade.
Seu carro quebra e um desconhecido a ajuda. Dá-lhe carona e uma forte atração surge entre eles.
A mulher tem receio que seja um tarado, já o homem pensa que a jovem
pode ser uma emboscada. Talvez seu comparsa está na próxima curva. Mas, ela
se reconhece no olhar dele e vice e versa. Os dois querem ser livres pelo
menos uma vez na vida.
Nada acontece e param num motel de estrada, só há um quarto vago.
Decidem ficar juntos e segundos depois, sozinhos, entregam-se ao desejo até o anoitecer.
Sentem-se com asas e voam em todos os recantos inimagináveis.
No entanto, nem se dão conta que seus antigos parceiros obcecados e
obsessivos colocaram rastreadores em seus respectivos celulares e já sabem que
estão juntos no quarto. Também, reconhecem-se na traição e na vingança.
Estranhamente, quem os visse, teriam a impressão de que estavam com
olhos felinos.
Por que não posso entrar na roda? Quero brincar, também, poxa vida? Quero tanto entrar na roda, mas, ninguém deixa. Sempre fico sozinho, vagando por aí. Quer saber de uma coisa! Se não me deixam entrar na roda, vou devorar vocês!
diz alguma coisa sei lá sobre seu trabalho viagem quem te sacaneou
espera um pouco continue online esta noite preciso de companhia as lembranças
estão jorrando em mim não queria falar daquele jeito com Marina meu pai me
telefonou e não quis atender mas e aí vai viajar com a Sandra para onde? O quê
está com sono? Nem são três horas da manhã fala comigo o quê? Vai se foder não
preciso de ajuda só quero conversar as máscaras voltaram querem me pegar viu a
Laura? Como, morreu há dez anos mas eu a encontrei outro dia e conversamos
muito ela me disse que mora num jardim lindo... Cara tem pessoas me perseguindo
elas são pernetas e usam óculos escuros com certeza é algo ligado ao governo tu
sabe que fui abduzido, né? Tem uma aranha me encarando ela tem os olhos da
professora Creusa lembra-se dela? Bem, estou muito ocupado e preciso
desconectar estou arrumando minhas malas viajarei para Nova York para um
congresso ultra secreto até mais querido fique bem e não tente mais se suicidar
tá bom
Quando começou a ouvir algo que não entendia, descobriu que era vazia.
Aos poucos, definira formas e significados a partir dos sons que adentravam no
fundo do armário. Não queria ser mais subjugada. Aos poucos a palavra
transformava seu corpo artificial em carne e osso.
“Sofia, meu nome”, disse de
repente. Saiu do armário e se olhou no espelho. Era uma mulher nua. Pegou uma
blusa e uma bermuda esperou seu “dono”, lendo alguns contos de um livro jogado
na cama. Via aquelas letras embaralhadas nas páginas, formando-se em palavras,
frases e orações. Apaixonou-se pela
literatura e adorava ouvir o “ possuidor” ler em voz alta, ela começou a nascer
a partir daí. Havia uma citação que
espelhava o que sentia:
"A palavra é meu
domínio sobre o mundo." Clarice Lispector
A porta se abriu, respirou fundo. Já sabia o que diria.
Antônio não comprou uma boneca inflável porque se sentia triste ou
sozinho. Queria dar um tempo nas relações amorosas, pois tudo se tornava chato
e tinha preguiça de cultivar relacionamentos. Com o utensilio erótico,
extravasa todos seus fetiches sem vergonha.
Ao abrir a porta, assustou-se com uma mulher vestida com sua roupa. Quis
chamar a polícia, mas ela pediu para que a escutasse. No início, Antônio se
sentiu em um romance absurdo e no sense, como uma boneca inflável se tornou uma
mulher tão independente e cheia de vontades.
Sofia disse para ele que desejava conhecer o mundo, ler vários livros e
que precisava de ajuda. Antônio respondeu que era impossível e a mandou ir
embora do apartamento.
A mulher não arredava o pé, então, Antônio ameaçou novamente a chamar a
polícia. Sofia argumentou que se fizesse isso, relataria à polícia que ele a
abusou por muito tempo, tornando-a escrava sexual. Antônio resolveu cooperar.
Sofia era inocente, pensava que respirar e ser
de carne e osso bastava para ser viva. Entretanto, descobriu que no mundo dos
Homens precisava de documentos que provavam sua existência. Sem RG, CPF e
Titulo de Eleitor, ela não existia, como muitos por aí. Antônio tentava
explicar que, antes de tudo, precisava ter uma Certidão de Nascimento. Como não
tinha pais e nenhum outro parente, teriam que procurar a justiça. Enquanto
isso, Sofia queira ler junto com Antônio e ele, a princípio meio contra gosto, levou-a
até para a oficina literária que participava. Sofia descobriu que ser mulher de
verdade tinha alguns convenientes. Sofria com a menstruação, percebeu que
quando não tomava banho fedia. Além de odiar fazer cocô e xixi. Todavia,
concluiu a que a vida é feita de momentos bons e ruins e que são importantes
para existência.
Realmente nesta história não houve amor à primeira vista, pelo contrário,
Sofia e Antônio se detestavam, apesar de gostarem dos mesmos livros e lugares.
Toleravam-se. Mas, com o passar das estações, surgiu certa amizade. Cada vez mais queriam ficar juntos.
Familiares e amigos diziam que ele estava maluco de ficar como uma moça
que foi boneca inflável. Antônio nem ligava e Sofia aos poucos descobriu que
ele é um homem gentil e não um egocêntrico que só desejava saber de si. Aprenderam muitas coisas juntas e até o sexo
foi um aprendizado. Andavam em todos os recantos da cidade e curtiam cada
momento juntos nos cafés e bares. Seguiam
a risca o refrão da música:
“Pedes-me um momento Agarras as palavras Escondes-te no tempo Porque o tempo tem asas Levas a cidade Solta me o cabelo Perdes-te comigo Porque o mundo é o momento”( Pedro Abrunhosa)]
Sofia conseguiu finalmente ser registrada e a ter documentos para poder
trabalhar. Antônio sempre ao seu lado, feliz com suas conquistas. Todavia,
começaram a entender que se tornavam mais amigos do que um casal. A relação
estava morna em demasia. Mesmo tristes, resolveram se separar, para viverem
outros amores.
Experimentaram vários amores, paixões, divórcios e tiveram muitos filhos,
mas a amizade continuava entre dois. Quando envelheceram, decidiram morar
juntos.
Anos mais tarde, familiares os encontraram um ao lado do outro. Antônio
já velho e inerte na cama e Sofia, uma boneca inflável vazia.