Quando começou a ouvir algo que não entendia, descobriu que era vazia.
Aos poucos, definira formas e significados a partir dos sons que adentravam no
fundo do armário. Não queria ser mais subjugada. Aos poucos a palavra
transformava seu corpo artificial em carne e osso.
“Sofia, meu nome”, disse de
repente. Saiu do armário e se olhou no espelho. Era uma mulher nua. Pegou uma
blusa e uma bermuda esperou seu “dono”, lendo alguns contos de um livro jogado
na cama. Via aquelas letras embaralhadas nas páginas, formando-se em palavras,
frases e orações. Apaixonou-se pela
literatura e adorava ouvir o “ possuidor” ler em voz alta, ela começou a nascer
a partir daí. Havia uma citação que
espelhava o que sentia:
"A palavra é meu
domínio sobre o mundo." Clarice Lispector
A porta se abriu, respirou fundo. Já sabia o que diria.
Antônio não comprou uma boneca inflável porque se sentia triste ou sozinho. Queria dar um tempo nas relações amorosas, pois tudo se tornava chato e tinha preguiça de cultivar relacionamentos. Com o utensilio erótico, extravasa todos seus fetiches sem vergonha.
Ao abrir a porta, assustou-se com uma mulher vestida com sua roupa. Quis
chamar a polícia, mas ela pediu para que a escutasse. No início, Antônio se
sentiu em um romance absurdo e no sense, como uma boneca inflável se tornou uma
mulher tão independente e cheia de vontades.
Sofia disse para ele que desejava conhecer o mundo, ler vários livros e
que precisava de ajuda. Antônio respondeu que era impossível e a mandou ir
embora do apartamento.
A mulher não arredava o pé, então, Antônio ameaçou novamente a chamar a
polícia. Sofia argumentou que se fizesse isso, relataria à polícia que ele a
abusou por muito tempo, tornando-a escrava sexual. Antônio resolveu cooperar.
Sofia era inocente, pensava que respirar e ser
de carne e osso bastava para ser viva. Entretanto, descobriu que no mundo dos
Homens precisava de documentos que provavam sua existência. Sem RG, CPF e
Titulo de Eleitor, ela não existia, como muitos por aí. Antônio tentava
explicar que, antes de tudo, precisava ter uma Certidão de Nascimento. Como não
tinha pais e nenhum outro parente, teriam que procurar a justiça. Enquanto
isso, Sofia queira ler junto com Antônio e ele, a princípio meio contra gosto, levou-a
até para a oficina literária que participava. Sofia descobriu que ser mulher de
verdade tinha alguns convenientes. Sofria com a menstruação, percebeu que
quando não tomava banho fedia. Além de odiar fazer cocô e xixi. Todavia,
concluiu a que a vida é feita de momentos bons e ruins e que são importantes
para existência.
Familiares e amigos diziam que ele estava maluco de ficar como uma moça
que foi boneca inflável. Antônio nem ligava e Sofia aos poucos descobriu que
ele é um homem gentil e não um egocêntrico que só desejava saber de si. Aprenderam muitas coisas juntas e até o sexo
foi um aprendizado. Andavam em todos os recantos da cidade e curtiam cada
momento juntos nos cafés e bares. Seguiam
a risca o refrão da música:
“Pedes-me um momento
Agarras as palavras
Escondes-te no tempo
Porque o tempo tem asas
Levas a cidade
Solta me o cabelo
Perdes-te comigo
Porque o mundo é o momento”( Pedro Abrunhosa)]
Agarras as palavras
Escondes-te no tempo
Porque o tempo tem asas
Levas a cidade
Solta me o cabelo
Perdes-te comigo
Porque o mundo é o momento”( Pedro Abrunhosa)]
Sofia conseguiu finalmente ser registrada e a ter documentos para poder
trabalhar. Antônio sempre ao seu lado, feliz com suas conquistas. Todavia,
começaram a entender que se tornavam mais amigos do que um casal. A relação
estava morna em demasia. Mesmo tristes, resolveram se separar, para viverem
outros amores.
Experimentaram vários amores, paixões, divórcios e tiveram muitos filhos,
mas a amizade continuava entre dois. Quando envelheceram, decidiram morar
juntos.
Anos mais tarde, familiares os encontraram um ao lado do outro. Antônio
já velho e inerte na cama e Sofia, uma boneca inflável vazia.
Conto ao som:
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