Edward Hopper
Chega a sua casa toda dolorida, mas satisfeita. Encontrou dois amigos da faculdade que não via há muito tempo e recordaram os velhos tempos. Fizeram sexo a três, como estavam acostumados na época da universidade. Trocaram telefones e se despediram.
Clara vai direto ao quarto do filho, que dormia tranquilo junto com a antiga empregada. Ele estava na cama de cima e a senhora na cama de baixo. Clara não gosta que a empregada fique fazendo todas as vontades dele. Tem medo que ficasse mimado e medroso, mas, não consegue repreender a mulher, que foi praticamente sua mãe.
Ela dava suas escapadas para se divertir, porém não se desleixava com o filho. Ajudava-o a fazer o dever de casa, lia histórias para ele e o levava, junto com a antiga empregada também, para passear. Mesmo sendo boa mãe, ficava apreensiva de um dia o menino descobrir suas preferências sexuais. Contudo, tinha certeza que fazia tudo discretamente.
Tira a roupa e vai ao chuveiro, percebe que seu corpo está cheio de marcas de chupões. Pega um espelhinho e vê sua vagina. Sempre achou seu sexo misterioso, por isso desde pequena, gostava de tocá-lo e senti-lo.
Deita na cama, o telefone toca. No identificador de chamada, o mesmo número de telefone público. "Meu Deus, quem saí de casa a esta hora, para fazer trote num telefone público?". Atende, uma voz de homem diz:
– Por que faz essas coisas nojentas, você é uma beleza tão delicada... Deixa de fazer essas coisas.
-Tem a impressão que conhece essa voz, ela vem de um passado distante. Desliga, não quer saber.
Clara é divorciada. O ex-marido e pai do seu filho está na Europa. Constituiu outra família. Ela casou, tentando fugir de si mesma e da repressão familiar. O matrimônio foi um fracasso. Separaram sem brigas. Resolveram, que quando o filho crescesse, passaria as férias com o pai. Depois que completasse dezoito anos, poderia morar, se quisesse, com o pai:
– Filho é para ser criado para o mundo e não grudado na barra da saia da mãe. O cordão umbilical foi cortado há muito tempo. – ela dizia constantemente. Contudo quem não gostava muito da história, era a senhora empregada, que amava o menino como se fosse seu neto.
Ao deitar na cama já fresquinha pelo ar condicionado, pensava numa citação do James Joice: "Ele estava só, feliz, perto do selvagem coração da vida". Leu-a, à primeira vez, no livro Perto do Coração Selvagem de Clarice Lispector. Clara considerava este selvagem mais intuitivo do que animalesco. "Uma pessoa fazer o que deseja, é livre por ter consciência; o animal é escravo dos seus impulsos. Há diferenças de instintivo e intuitivo. O ermitão almeja transgredir as normas sociais e até a natureza humana, que é coletiva".
Ela realiza todas suas fantasias, mas se previne. Está sempre de camisinha na bolsa e não tem vergonha de pedir aos parceiros, que a usem. Exerce a liberdade plena, que vem da intuição. De repente o sono chega e a domina totalmente. Amanhã é Domingo, dia de levar o filho ao zoológico.
Acorda com a porta se fechando. É a velha criada. " Pobre Severina, vai à missa de domingo, pedir que Deus me perdoe pelos meus pecados. Percebo que me olha apreensiva". Levanta-se para acordar o filho, já são nove horas da manhã. Tomaram um café reforçado e foram ao zoológico e ao museu.
– Mãe, quero tomar sorvete na praia. Quero ver o mar.
– André, você quer tudo. Mas, vamos sim.
O mar estava calmo. Os dois sentaram na areia e tomavam os sorvetes. Um rapaz sai da água. Clara olha para ele. É um homem alto, moreno e forte. Vai ao encontro da namorada e lhe dá um beijo apaixonado. Clara tem um pensamento...
– Mãe, é verdade que quando ficar grande vou morar com o papai.
– Se quiser sim.
– É que gosto de ficar com você.
– Mas, tem que conhecer seu pai. É uma pessoa maravilhosa. Tem que conhecer seus irmãos também. E longe ou perto de casa, sempre estarei em contato com você. Filho, o que importa não é a quantidade de tempo que passamos juntos, mas a qualidade.
– Mãe quero ter um cachorrinho. Por favor?
– Tá bom. Já que insiste tanto, mas quem vai ter que cuidar dele é você.
O telefone toca. Clara já sabe quem é. Ele recita um poema. Ela desliga. Não tem medo dele, sabe que não vai fazer mal a ela e ao seu filho. " Deve ser um homem solitário, uma alma penada vagando na madrugada", pensa. Um livro está sobre sua cama. Está com pena em terminar de ler. Pega a agenda e marca um compromisso que tem de manhã cedo. Deita na cama; pensa no banhista da praia. Começa a se tocar. André dorme no quarto dele; sonha ser um super herói; já Severina faz uma oração, para que nada de ruim aconteça com "seu menino" e "sua menina".
Cocada foi o nome escolhido do cachorrinho. Todos se apaixonaram por ele, apresar das brigas por mijar e cagar por toda a casa. Ficou sendo o filho caçula de Clara e outro netinho para Severina. Na faculdade, Clara é considerada uma excelente professora e pesquisadora. Tem até uma coluna em um jornal. É requisitada por quase todos os alunos, por ser exigente, mas, sem ser grosseira. Ajudar com dicas e tem paciência de ler relatórios, monografias nas madrugadas de sábado e domingo. Pegava a caneca cheia de café e ficava até o sono vencê-la.
Clara corre de manhã no calçadão da praia. Mora num apartamento antigo e amplo, onde à primeira coisa que se vê: livros. Severina tenta convencê-la doar alguns, contudo no que se diz respeito aos seus livros, não abre mão. O telefone toca. É um antigo amigo de escola. Descobriu seu telefone.
– Oi Clara, é o Fernando.
– É... Como está.
– Tô bem, bem... Te liguei, para ver se a gente se encontra. Posso ir à sua casa.
– Não, na minha casa não. Na sua.
– Tá bem...Sábado à noite?
– Por mim, tá ótimo.
Começa pensar no Fernando. " Ele era bom de cama. Será que o tempo melhorou sua desempenho, ou, piorou". Conversa com a antiga empregada, dá dinheiro para que comprasse frutas e legumes na feira. Deseja comer manga, gosta de se lambuzar toda, chupando a fruta. Lembra-se da época que ia ao sítio com seu pai. O filho do caseiro pegava mangas deliciosas para ela.
"Juliano...". Era o filho do caseiro. Amigos na infância e amantes na juventude. Passaram momentos maravilhosos na mata, no rio e no quarto dela , quando seu pai saía de madruga para pescar. Hoje, Juliano está casado e pai de quatro filhos. Atualmente, é o caseiro do sítio e aguenta as rabugices do pai aposentado de Clara, que está morando lá agora. “Ele é mais filho dele do que eu". Clara não tinha paciência com os valores conservadores e hipócritas do pai. Rompeu relações com ele, quando disse que ela não tinha decência para criar um filho, que deveria dá-lo para ele ou ao pai. Clara simplesmente o mandou ir à merda e nunca mais foi para o sítio. "Talvez, seja o Juliano que me liga no telefone público. Apesar dele fingir a voz, algo me diz que é ele. Não vou me abater...".
Clara vive como quis. Sem se arrepender de nada. Era livre.
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