domingo, 27 de dezembro de 2015

IMPERCETÍVEL( Outra versão, última tentativa de melhorar a história.)



Imagem encontrada no google




Escrevo e não dá certo. Faço novamente. Desânimo e ansiedade, mas não posso desistir. Os tropeços vêm antes do salto mortal. Não posso me aborrecer com as críticas, tenho que usá-las a meu favor, para continuar minha busca. Deleto, deleto, deleto. Não tenho estilo, as ideias derramam, mas não consigo moldá-las. Mas por que continuo?  É que não só desejo me transformar em artista. Estes ensaios me salvam. Este livro é um erro e chato por ser muito descritivo. Assim nem parece literatura! Mas, tentarei revisá-lo outra vez e costurar outra roupagem. 
O livro que quero escrever é uma experiência de quem acha que pode ser um escritor um dia.  Meu Deus, que objeto não identificado é este que estou escrevendo. Parece que tem vida própria.  Chega de falar de mim. Quero falar dela...  

***

  Ele morria de sono. Acabou de escrever alguma coisa no computador.   “Meu Deus, o que foi que eu fiz?”.
Depois, deitou na cama.  A vontade de escrever um pensamento foi mais forte que o cansaço e o sono. Pegou o caderno, caneta e começou a escrever: “INSPIRAÇÃO: 3. Qualquer estímulo ao pensamento ou a atividade criadora. 6. Entusiasmo poético; estro.  7, teol. Moção divina que, segundo a crença cristã, teria sido dirigida aos autores dos livros da bíblia.”(Aurélio). 
Concluiu que Sophie é esse suspiro divino, que o atormente e o fascina.

***


***
PARTE I
Observo a moça imperceptível de longe. Antes, a via sair de casa para trabalhar, ir à faculdade e quando corria para manter a forma. Agora, vejo-a com a família. Sempre brinca com os filhos e namora o marido. Montei na parede do quarto, um painel com fotos suas em preto e branco, embaçadas de propósito. É assim que a vejo realmente. Precisa abstrair, para olhar a sua beleza. Confesso que até inventei uma fantasia erótica com ela, que nunca se concretizou...

Nunca interferi na sua vida, a espio. Quero conhecê-la e saber o que pensa. As joias que ganhava dos amantes vendia e investia nos estudos. Acreditava que se não estava prejudicando ninguém, poderia fazer o que quisesse (quiser). A vida era dela, afinal de contas. Sentia medo da loucura, é seu temor primeiro. Lembrava-se sempre dos moleques da rua onde mora que implicavam com uma mendiga louca, chamando-a de fedorenta.  Os adultos riam e alguns permitiam aquela situação degradante.

Escrevi-lhe, uma vez, um bilhete. Tive uma surpresa logo depois: “Sei que é um voyeur. Tem esse poder, sei disso. Gosto de ser observada por você, fico excitada, apesar de amar meu marido. Observa-me desde menina. Mas não ouse meter-se no meu caminho. Acabo com você, num piscar de olhos. Você conhece a minha intimidade, sem me tocar. Sabe de coisas, que nem meu marido, conhece. Isso é tão interessante e estimulante. Não é você, que sabe tudo sobre mim. Conheço toda sua vida. Sou uma voyeur, também. Quer escrever um livro sobre mim, mas tenha cuidado com que escreve...”
 Ela é humana, isso me fascina. Imoral, sensual, racional, boa filha, mãe carinhosa, apaixonada pelo marido, excelente profissional e ambiciosa.
No armário escondeu chocolates e caixas de bombons. Adorava comê-los, não repartia com ninguém. Uma vez esqueceu, por muito tempo, que tinha uma barra de chocolate no armário. Ela apodreceu. “Tanta gente passando fome e eu deixei apodrecer uma barra de chocolate no armário”.
Quando saiu com um namorado, estava sem calcinha. Ele nunca poderia imaginar que aquela moça vestida discretamente, pudesse estar sem a roupa íntima. Ao ver, ficou surpreso. Nunca mais se esqueceu da noite inesquecível, que teve com aquela moça aparentemente sem sal.
Sophie sonha sempre o mesmo pesadelo
 “Um corpo de mulher estirado num terreno baldio. De repente, aparecem vários urubus com rostos de homens barbados e com dentes enormes e afiados. Começam a devorá-lo, principalmente, as nádegas da mulher. Engraçado, desde que me entendo por gente, sempre sonhei com isso.”

Recordava-se da irmã mais velha, que morreu num acidente de carro. O velório foi muito triste. A mãe chorava muito, o pai a consolava e chorava também. Ela estava apática, seu rosto estava seco. Os vizinhos fuxicavam que ela não gostava da irmã. Todos estavam errados, ela a amava muito.

PARTE II
Eu a chamei de Sophie.   
Trabalhava como secretária num escritório, que ficava na cobertura de um dos prédios mais importantes do centro da cidade. A janela ampla mostrava toda a Baía de Guanabara. Ela pensava que esse escritório deveria ser dela  que  era mais inteligente e capaz que o chefe, Otávio Ferraz de Albuquerque, que se achava o senhor do mundo.
Quando saía com seu escolhido, abusava da sensualidade. Ninguém poderia imaginar que aquela moça aparentemente sem sal, poderia tomar atitudes tão avançadas e possuir uma volúpia tão à flor da peleUm dia, um amigo contou as “aventuras secretas”, que teve com Sophie para Otávio. Ele ficou curioso, não dava nada por ela. Começou a se insinuar e  Sophie não gostou, o chefe não era o escolhido. Ele insistia, ela dizia não. Recalcado porque uma mulher de aparência tão comum não lhe deu bola, chamou-a de vadia. Sophie apenas sorriu, disse que não tinha nada a ver com isso e o mandou pastar. O executivo ficou sem ação. Era verdade. teve força para dizer:– Saia daqui agora, vagabunda!
Ao ir embora, ela pensou: “...um dia terei um escritório igual ou melhor”.
Sophie não ficou preocupada. Pediu ajuda a um antigo amante rico, que se tornou amigo, para lhe arranjar um emprego melhor. Conheceu-o quando trabalhava como recepcionista. O primeiro encontro deles foi no elevador. Ela o olhou sensualmente e começou a passar o batom nos lábios. No primeiro momento, o homem não a tinha notado. Quando a percebeu, desejou-a ali mesmo. Tiveram alguns encontros e acabaram a relação sem brigas.
recorre a um conhecido importante em último caso. Não abusa. Mantém sempre o contato, envia cartão nas festas de finais de ano e aniversário. Acredita que é bom cultivar boas relações sociais e afetivas, rendem muitos frutos tanto profissional como pessoalmente. Ela também sempre ajuda os que precisam. Conseguiu um emprego muito melhor do que o anterior. O seu amigo ficou feliz em empregá-la. Sabia que estava fazendo um bom negócio, ela era ótima profissional.

Sophie estava muito bem financeiramente. Montou uma confeitaria, que era o sonho dos pais e comprou uma casa confortável para eles. Mas faltava-lhe alguma coisa, sentia-se ainda incompleta.



III

Meses depois se apaixonou por um rapaz humilde. Era empregado dos seus pais na confeitaria. Encontrou-o pela primeira vez quando ele foi à confeitaria para arranjar trabalho. Estava com olhar cansado por procurar emprego o dia inteiro. Sophie olhou para o rosto cansado: “Esse é o homem da minha vida”.
No início do romance ele se achava inferior. Queria até terminar o namoro para não prejudicá-la. Fugiu. Foi morar no pequeno sítio de um tio, que ficava muito longe da cidade. Ela foi atrás dele. Ajudou o rapaz, custeando seus estudos. Enfrentaram, no início, muitos preconceitos das respectivas famílias, amigos e colegas, mas depois todos perceberam que foram feitos um para o outro.

Atualmente ele é um renomado professor universitário de Sociologia e ela uma executiva de sucesso. Têm três filhos, um adotado, como ela sempre planejou. Aliás, nada saiu errado para Sophie. Eu queria ser determinado e racional como ela. Não consegui me civilizar, sou uma besta preguiçosa.

Quando nos encontramos na rua, ela me olha como se estivesse querendo me desvendar. Sinto uma mistura de medo e desejo. nos olhamos. Nunca passou disto.

****
Quando acordou, estava inspirado: “escreverei um livro”. não sabia como, estava obsessivo.

Pela janela da frente, Sophie observava o vizinho e escrevia no diário:

Apesar de ele achar que me conhece, nunca terá ideia que sou muito mais do que descreve. Esta história, na verdade, é sobre uma personagem que ele construiu, não eu. Por isso, gosto de ser imperceptível para viver na liberdade dos olhares dos outros. Realmente, em parte, está certo quando disse que eu escolho por quem quero ser notada, não perco tempo com idiotas. Assim como ele não pode saber de mim, com certeza desconheço muitos aspectos de seu caráter. Imagino e não deixo de, tambémconstruir um personagem . Às vezes, penso coisas estranhas como se fossemos reflexo um do outro. Chega de devaneios, preciso ir ao aconchego da minha família para deixar de refletir bobagens.”

***

Ultimamente, tenho um sonho estranho. Decomponho-me em palavras e estou preso no diário de Sophie. À medida que ela escreve, outras letras surgem e me torno outro. Logo, através deste sonho deixo de ser voyeur para ser observado. Amanheço assustado.  








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