Sempre me considerei equilibrado e dono de mim mesmo. Mas, de
um tempo pra cá, tive lapsos de memória e quando dava por mim, estava em outros
lugares e conversando com pessoas que nunca tinha conhecido na vida. Fiquei com
medo de estar enlouquecendo e me senti a deriva, pois sempre me considerei com
autocontrole. Fui para vários psiquiatras, tomei remédios e me internei. Nada
adiantava, eu desaparecia num passe de mágica. Comecei a pensar que uma
entidade ou algum espírito me possuía, então fui enfrenta-lo e ele falou por
dentro de mim que queria me salvar. Perguntei o porquê e ele me respondeu que
eu vivia numa ilusão de unidade e que precisava me enxergar como vários.
Chamei-o de demônio e retrucou que talvez more dentro de mim. Disse-lhe que não
havia o mal em mim, só o bem. Então, ele escarafunchou uma memória antiga e me
vi garotinho, que afogava com prazer as formigas que saíam do buraquinho do
azulejo do banheiro. Estava tomando banho e sentia um prazer indescritível ao
jogar a água nelas. Rebati, argumentando que era só uma criança sem noção do
certo e errado. O demônio perguntou-me o que era certo, errado e se ao longo da
história, o certo era o errado e vice-versa, dependendo de qual prisma se via.
“Talvez, não sou demônio, mas anjo”. Explodi que era um Anjo Caído e riu de
mim. Nunca senti tanto ódio na minha vida, de repente percebi-me mais vivo.
Quando dei por mim, destruí a casa toda. Completamente exausto, fui dormir e ao
acordar me senti outro. Parece que estou partido por dentro e ouço cacos o
tempo todo. Algo mudou.
***
Conto ao som:
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