Auto da foto: Pedro Miguel Silva http://br.olhares.com/alegria_foto755148.html

“Às vezes, sinto que morri e se esqueceram de fazer o meu funeral.”

A campainha toca. É o pessoal da funerária que veio para lhe enterrar. Fugiu, pois começou a desejar viver intensamente.

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“MEUS PENSAMENTOS QUEIMAM”

Vai ao tanque e joga água na cabeça. Surpreendentemente, seu couro cabeludo faz barulho de fritura e sai fumaça. O vizinho filma a cena e a envia para o youtub.

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PROCURA

Quando tinha crise de identidade, ia à casa da mãe. Lá, a senhora revelava particularidades e facetas suas que nunca percebera conscientemente. Dizia que o conhecia muito bem e ele começava a ficar irritado com a prepotência materna e uma duvida martelava em sua cabeça: “ Será que sou assim mesmo ou uma personalidade minha construída pela sua imaginação?”. Quando o conflito estava no ápice, despedia-se dela e seguia o seu caminho.

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ELE

não tinha consciência que abrigava infinitas e diversas formas de vida, mas possuía constelações no céu da boca . Começou a regurgitar por vários dias. Quando terminou, percebeu que o firmamento estava repleto de pontos iluminados que dissipavam a obscuridade cerrada que havia até então.

Autor da foto: negateven: http://br.olhares.com/dreamless_days_foto2694416.html

GAROTA DE PROGRAMA E CRÍTICA LITERÁRIA

– OI! Chegou cedo.

– Tenho muitos compromissos hoje... E aí o quê vai ser antes?

­­– Vamos pra cama, depois você lê o conto que acabei de escrever.

Uma hora depois:

– Gostou?

– Sou franca, já sabe. Continua uma cópia mal feita e de quinta categoria dos contos do Rubem Fonseca. Tudo bem que você pode admirá-lo, é um excelente autor por sinal; mas, tem que parar de copiar o estilo dele. Precisa construir o seu.

– Você me arrasou...

– Não fica assim. Quer uma rapidinha de graça?

– E os seus compromissos?

– Posso me atrasar um pouco.

Autor(Auto

Crédito da foto: Marianna Souza de Oliveira:

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PREGUIÇA

Vê um amigo do passado pela janela do ônibus. Continua sentado e se esconde para que o outro não lhe veja. Não sente uma lassidão física, mas seus pensamentos cansam ao imaginar precisar contar tudo o que lhe aconteceu em todos estes anos.

PELA PRIMEIRA VEZ TEVE MÚLTIPLOS ORGASMOS

Quando acordou, viu sua imagem em carne e osso ao seu lado.

Crédito da foto: http://img.mercadolivre.com.br/jm/img?s=MLB&f=63575244_4105.jpg&v=P

Rotina:

7:00 Caminha.

8:00 Toma café da manhã.

9:00 Trabalha no escritório.

20:00 Pegar o filho no cursinho de inglês.

21:00 Janta.

22:00 Sai para passear de carro.

22:30 Encontra jovem de shortinho e bustiê.

23:00 Estrangula a moça em um terreno baldio. Depois, começa a arrumá-la com cuidado. Coloca sobre o corpo um camisolão branco, asas postiças e um véu. Em seguida, estaciona numa praça e senta o corpo num banco.

01h00 Retorna para casa feliz por salvar mais uma alma.

Crédito da foto: http://flordomar.no.sapo.pt/joshua.rainey.jpg

CONSUMIDO

Andava apressado e bufava. Um ódio sem motivo o transbordou e a alma irada jogava pragas terríveis para toda humanidade. Sentou numa praça e viu dois meninos brincando; o maior pegou uma barra de chocolate e dividiu com o menor. Esta cena proporcionou uma trégua da tormenta que sentia. De repente, ouviu os passarinhos cantando e a praça estava avermelhada por causa do por do sol. Cerra os olhos e relaxa pela primeira vez, depois de muito tempo.

HORA DA CONSULTA:

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HORA DA CONSULTA:

– Doutora, vou direto ao ponto, estou tendo um caso com Vandinha.

– Minha filha?

– Sim. Desculpa, doutora.

– Não tem problema. Mas, preciso lhe dizer que ela não presta.

– Como, doutora?

– Apesar de ser muito jovem é uma mulher vivida e manipuladora. Depois não diga que não avisei.

– Realmente... tem uns papos estranhos de matar a senhora e seu marido. Diz que vocês são maus para ela.

– Diz isto para todos. Quando era mais nova, inventou que nós abusávamos dela. Ainda bem que conseguimos provar inocência. Agora, ela deu para ter casos com meus pacientes. Você não é o único.

– Poxa, doutora, você é psicanalista e tem uma filha porra louca.

– Isto acontece nas melhores famílias, não é mesmo?... Você teve pais maravilhosos e quando queria se drogar chegou a empurrar sua mãe da escada e ela está sem poder andar até hoje.

– Isto são águas passadas, doutora... Bem, já avisei que estou saindo com a sua filha; fiz a minha parte.

– Está usando preservativo?

– Pode deixar que não contaminarei sua filha. Fiz exame e estou limpo.

– Na realidade, estou preocupada com você. Ela se relacionou com muitos homens e parece que gosta de transmitir doenças sexuais para outras pessoas. Infelizmente, é difícil reconhecer: minha filha é uma erva daninha. Às vezes, queria que ela sumisse da face da terra.

– Bem.. um dia, quando quiser, doutora, podemos negociar...

Cândido Portinari (1903-1962)

–Doutor,

vieram homens fardados dizendo que a revolução estava consolidada e o novo governo requisitava a minha pequena terra. Só sei, doutor, que tive que ir embora com a minha família, senão seria preso ou morto. Tudo foi inusitado; perder tudo e vagar na estrada. Quando encontrava alguém, comentava-se sobre esta revolução; ninguém sabia explicar direito o que estava acontecendo. A única razão que tínhamos é que a novo governo desapropriou todo mundo em nome da tal revolução. Cartazes enormes apareciam e neles estavam escritos: “A NOVA PÁTRIA”. Doutor, pode me explicar o que é a nova pátria? E a velha, como era? Antes disto tudo, vivíamos a nossa rotina que chegava a ser tediosa; mas, agora, sinto falta. Meu avô disse que a gente só valoriza o que perde. Ele estava e está certíssimo. De manhã íamos para lida, de noitinha ouvíamos música e jogávamos dominó. Eu gostava da minha vida antiga. Doutor, desculpa, mas quero que a pátria vá para o quinto dos infernos. Eu e minha família estamos cansados de tanto caminhar; vimos muita gente morrer por causa da exaustão, fome e sede. Sinto-me um peixe fora d´água, doutor. Por isso, quero que me explique o porquê de me expulsarem da minha terrinha.

Crédito da foto: http://catedral2.weblog.com.pt/2006/01/da_solidao_2.html

ESTRANHA MANIA

O senhor ficava horas gravando gritos e correrias das crianças; depois, escutava-os em casa. Esta rotina o acalentava.

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...olha, não quer olhar; mas continua a olhar...*

quer ficar cego mas seus olhos estão fixos. Beijam-se lá fora e são egoístas; “não vê que há pessoas infelizes?!”. Os corpos se fundem; sente algo enrijecer sob a calça. Fica vermelho; a sua esposa apática se entrega a outro homem, diz: “ASQUEROSOS”; mas seus pensamentos são outros. No breu da casa... olha, não quer olhar; mas continua a olhar...

* Outra versão de um conto antigo.

crédito da imagem: http://img53.imageshack.us/i/claritafk2.jpg/

BRINCADEIRINHAS

Um dia, o ventre começa a crescer; a consciência clareia e o medo vem de carona.

À ORIGEM(Conto escrito em 2004)

Edward Hopper

Quando soube que os mortos estavam saindo das tumbas e que se comportavam como animais selvagens, desejou ser como eles.

Ouvia com interesse as notícias de que os mortos vivos devoravam qualquer coisa que viam pela frente e que faziam sexo sem pudor. O fedor de carne putrefata infectava as cidades.

Recordou-se de ter lido em algum lugar a profecia: “Tudo voltará à origem do caos de cores, odores e instintos”. Como desejaria retornar ao estágio que precede a mulher: a fêmea. Estava cansada de “humanizar a vida”.

O apresentador do telejornal dizia que se a pessoa fosse mordida pelos zumbis seria contaminada. Ela saiu de casa e não demorou muito, apareceu um bando faminto e começou a mordê-la e a possuí-la ferozmente. 

Foi esquecendo seu nome, pai, mãe, filhos, marido e emprego. Parou de pensar. Os instintos a dominava. Já devorou quase todos os membros de sua família. Agora não tem mais marido, tem machos . E nem filhos; pare filhotes que quando não mais necessitam de cuidados, ela os expulsa do seu convívio. Quem a domina é um macho mais forte que ela.

***

– As pessoas não podem contar com o governo. As autoridades estão tentando exterminar os zumbis, mas a situação está crítica. Uma pessoa reportou que sua mulher foi contaminada; devorou até os filhos e quase acaba com toda a família. O marido escapou. A polícia aconselha a todos a procurar lugares seguros e sugere que se associem para lutar.

O apresentador do jornal está sozinho transmitindo as notícias. Sua mulher e parceira de trabalho se transformou numa morta-viva, quase aniquilou a família inteira. Só ele sobreviveu, lembrando-se de que sua mulher sempre dizia: "Quero ser selvagem.". – Vagabunda!– explodiu.

Pegou uma foto da família na carteira, rasgou a parte onde estava a mulher e jogou no lixo. Guardou apenas o pedaço em que estavam os filhos. Viu-a sair por livre espontânea vontade à rua. Não quis acreditar, somente caiu a ficha quando a desgraça aconteceu perante seus olhos, sem que pudesse fazer nada para evitar. Para não morrer, escondeu-se.

De repente, escreveu numa folha qualquer:

“Tenho medo de a besta sobrepujar o ser homem. Não consigo me ver num mundo sem símbolos, conceitos e pensamentos. Meu Deus, tudo é tão frágil”.

Crédito da foto:

http://fotos.limao.com.br/galeria,,45355,,14,|,MUNDO-RUSSOS-LEMBRAM-BATALHA-DA-SEGUNDA-GUERRA-MUNDIAL-00.htm

“FOGO AMIGO”

...Aproveita as rajadas de balas e bombardeios para atirar no companheiro de infantaria. Quando o colega recebia cartas da noiva e as mostrava para ele, começou a se apaixonar pela jovem através de fotos e poemas açucarados que ela escrevia em folhas umedecidas de lágrimas...

Crédito da foto: http://www.iplay.com.br/Imagens/Fotos/000273.jpg

PUXÃO DE ORELHA

– Escrevo com coração.

– Eu também; mas isto não significa escrever errado.

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ALIENADO

Uma arma na cabeça e nem liga; aliás, não sente nada. O outro que porta o revólver decide esperar o efeito do tranquilizante passar. Alimenta-se do medo alheio.

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SEU AFRÂNIO

era solteiro e professor universitário. Havia muitos comentários no prédio sobre ele e quando um rapaz começou a frequentar sua casa, ficaram ainda mais acirrados. Um dia, eles apareceram mortos no apartamento. O falatório sobre o “professor solteirão” aumentava a cada notícia divulgada.

Dias depois, a perícia comprovou que a causa da morte foi um vazamento acidental de gás. Agora, o relacionamento dos dois homens foi revelado pela mãe do mais novo: há trinta anos, Afrânio teve um único relacionamento com uma moça, prometida a outro. Anos depois, o rapaz soube da história e quis conhecer o pai biológico.

L'âge mûr - Camille Claudel http://www.flickr.com/photos/bokeh-licious/3107767659/

A EXPOSIÇÃO

Todos a cercavam com elogios, mas ela se sentia vazia apesar do ego inflado. Ao acaso, vê um homem olhar absorto uma obra; parecia estar arrebatado. De repente, a alma da artista transbordou e seu rosto iluminado apareceu na seção cultural de um jornal no dia seguinte.

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LEVEZA

No leito de morte, o pai disse ao filho:"VOCÊ TEM QUE SER FELIZ!". Desde então, o rapaz sente um peso descomunal sobre ele; principalmente, o medo de não conseguir realizar o último desejo paterno. Um dia, o pai veio visitá-lo através dos sonhos; disse que só precisava viver sem se preocupar com a felicidade. Quando acordou, as pequenas coisas do cotidiano que surgiam pela frente davam-lhe alegria de estar vivo.

Autor da foto: silvio feitosa http://br.olhares.com/o_nascer_do_sol_por_uma_fresta_foto1393082.html

SEDE DE VIVER

Quando era pequeno, havia várias portas para escolher. Perdeu-se com tanta opção. Hoje, maduro, as portas cessaram. Mas, a sede de viver é tanta que atravessa janelas e frestas. Chega a cavar túneis para continuar sua jornada.

Autor da foto: André Mascarenhas http://br.olhares.com/por_tras_dos_vidros_e_rabiscos_ii_foto1602562.html

ESBARRÃO

o peito vibra sob a camisa/ pêlos arrepiados/ pensamentos caóticos/ breves espasmos musculares/ mãos umedecidas/ a pessoa que estava ao seu lado acorda e salta do ônibus/ a desordem se dissipa/a viagem continua.

Crédito da imagem: http://img2.pict.com/6c/39/19/5acf6e2121e85d0a199c959f5a/eLO9M/critica300.jpg

O CRÍTICO

com suas dicas, ajuda o artista a aperfeiçoar suas obras.

Crédito da foto: http://denuncianimal.files.wordpress.com/2008/02/lampb-copy.jpg

DESLIGA-SE

Sofria muito ao presenciar qualquer dor alheia que encontrava pelo caminho. Um dia, exaurido, desconectou-se temporariamente. Sentiu, depois de anos, momentos felizes. Hoje, quando está prestes a ter um colapso, desliga-se para repor as energias.