Imagem encontrada no google
Meu pai era um homem
imponente e bem educado. Mas, sempre ouvi falar que quem o aperfeiçoou foi
minha mãe, pois ele era de origem humilde. Seu passado era ofuscado pelos
prêmios e condecorações que recebeu ao longo do tempo.
Um dia, papai adoeceu e
uma senhora com vestimenta simples apareceu na nossa casa. Ela cuidou dele até
o fim e o acalentava como se fosse um bebê, cantando cantigas de ninar. Minha
mãe fazia vista grossa, amava-o o bastante para saber que isso fazia bem para
ele. As duas desenvolveram uma cumplicidade que se aproximava a uma
amizade. Quando papai morreu,
abraçaram-se em silêncio. No velório, recordo-me da senhora passar a mão na
minha cabeça e ir embora para sempre.
Anos se passaram e esta
recordação persistia em mim. Perguntei para minha mãe quem era aquela senhora e
ela me disse: “ sua avó”. Quis saber mais e ela me deu o endereço.
A senhora estava
sentada na varanda e me recebeu contida. Perguntei por qual motivo nunca me
disse que era minha avó e ela respondeu ser complicado responder. Ela e meu pai
estavam brigados tanto tempo, que ela não queria se machucar mais. Decidiu
tentar ser indiferente, mas nunca conseguiu.
Mostrou-me fotos
antigas de meu pai e o quarto em que ele dormia. Ela me chamou a atenção de como
os olhos dele eram tristes e concordei. Até nas fotos de festas e premiações,
seu olhar era muito melancólico.
Então, começou a falar
sobre ele. Disse que sempre desejou ir embora para ser bem sucedido. Colecionava
revistas de viagens, de mansões e comentava que encontraria a felicidade nesses
lugares. Um dia, despareceu com o vento.
Minha mãe deu sua versão,
que meu pai sentia-se incompleto, apesar das vitórias conquistadas. Escrevia
cartas que nunca eram respondidas. Uma vez, minha mãe o viu escrever em seu
bloco de notas “ banzo”, que significa um sentimento de nostalgia que os negros
da África têm, quando estão ausentes do seu país, é um termo de origem
africana. De certo jeito, sentia falta de sua origem, a mesma que no passado sempre quis fugir.
Através dos relatos de
minha avó e da minha mãe percebi como meu pai estava à deriva, porque talvez não conseguisse encontrar um lugar no
mundo. Quando achou que saindo da casa materna, encontraria sua identidade,
descobriu que não estava completo e faltava o que deixou para trás.
No leito de morte,
papai estava tão tranquilo... Talvez, porque finalmente se percebeu completo e
não mais partido.