Em um dia de
domingo, minha mãe resolveu preparar um bolo, que aprendeu num programa de
tevê. Quando comi o pedaço, lembrei-me
de uma casa em que aparentemente nunca estive.
A lembrança estava
coberta por uma tênue neblina. Comentei com minha mãe e ela ficou estranha. O
gosto do bolo me despertou para algo, que não conseguia definir. Uma saudade
inexplicável de um tempo que, talvez, nem existiu.
O tempo passou e os
fragmentos começaram a surgir, como um riso de mulher, um cachorro lambendo um
bebê e um homem de cara brabo e assustado. Também, garotas pouco mais velhas,
chamavam-me de irmão. As imagens eram
comuns, mas me tiravam do eixo. Procurei até um analista. Meus pais se
preocuparam comigo, já que eu passava horas em silêncio. As recordações se
tornavam frequentes. De repente, não sabia mais quem era.
Então, contaram-me
que fui sequestrado quando era muito novo por um casal. Meus pais e a polícia
me procuraram por várias semanas.
Encontraram-me em
um sítio, por causa de um telefonema anônimo. O casal havia desaparecido.
Retornei para casa e as lembranças ficaram adormecidas até o dia em que comi o
bolo.
Por onde andam
essas pessoas?
***
Em outra cidade, o casal recebia a visita do noivo
de uma das filhas. Quando o rapaz viu a foto de um garoto pequeno, a mulher lhe
disse:
- Esse era Davi, infelizmente, não está mais entre nós.