quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

VIDA REAL




Laura chega cansada e ainda precisa arrumar os filhos. Neste final de semana, o pai das crianças irá pegá-los. Sente-se aliviada por ficar sozinha em casa, pois poderia maratonar seu dorama preferido.

Ela se imagina como a heroína virginal, fofa e trabalhadora, que faz de tudo para provar seu valor ao seu príncipe. Encanta-se com o galã de uma beleza sensível. Beijam-se sem língua e muito menos sem baba.

Laura gostava de romance, considerava a vida bruta e odoros desagradáveis. Então imaginava relações íntimas com o príncipe da série oriental, com aromas de flores, toques delicados e suspiros imperceptíveis. Como se estivesse num balé clássico, o qual os bailarinos dançam harmonicamente, parecendo um só. Às vezes, fica triste por ser impossível viver este amor utópico.

Neste final de semana algo inusitado acontece, Laura se sente transportada à história. O príncipe e os outros falam com ela, que não entende nada por causa da língua. Mas, compreende o que acontece na história, instintivamente. Ela se joga na narrativa e vive o sublime amor, intensamente. Percebe-se que é a protagonista da série que tanto gosta.

Todavia, começa a sentir saudade dos filhos e mesmo com os perrengues, gosta da sua vida real. Quer voltar, o par romântico e os outros personagens se entristecem. Laura está decidida. O lindo príncipe dá uma um relicário com sua foto. Ela retorna.

Acorda com o barulho de buzina. Recebe os filhos e, pela primeira vez, cumprimenta o namorado do ex-marido. Depois, uma das crianças questiona sobre o cordão que usa. Desconversa, perguntando como foi o final de semana.

Ouve com uma paciência que há muito tempo não tinha. Transborda de felicidade por estar viva. 

 

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