Apareceu de repente no
quintal, depois do auge da pandemia de zumbi. Arrastava-se lentamente. Era uma
figura deplorável. No início, ficamos assustados, mas, depois, consideramos a
situação patética.
Jogávamos pedra e
tirávamos selfie com ele. Não o matamos rapidamente para não acabar com a diversão,
além de ser um atrativo a mais nas festas. Nós o torturávamos frequentemente,
até esquecê-lo rastejando pelo quintal.
Numa manhã de verão,
acordei bem cedo para ir à praia. Comi um cereal rapidamente e ao abrir a
porta, senti uma mordida no pé. Quando olhei, vi que era o morto-vivo.
Desesperado, eu o golpeei de faca vária vezes na cabeça.
Depois do pavor e de me
sentir cair num abismo, percebi-me mais vivo. Como se antes da mordida
estivesse entorpecido. Achava-me tão indestrutível e jovem, que nunca considerei
acontecer algo semelhante comigo. Sempre rodeado de amigos e, neste momento,
sozinho comigo mesmo.
Resolvi ir à praia. Não
percebi que já entardecia. O pôr do sol
estava particularmente maravilhoso. Eu o apreciava sem tirar selfie, talvez,
por isso, conseguia perceber tantos detalhes.
O mar estava de ressaca,
as ondas me engoliam. Começava a me sentir febril. Os últimos raios de sol me
iluminavam e me aqueciam nas profundezas. Antigas e esquecidas lembranças emergiram
na consciência, chorei.
Antes da escuridão, vejo
minha última lembrança...
O último pôr do sol, o
mais belo de todos.
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