"Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.”
“Coisa
estranha isso, né? Não conhecer as pessoas. Pior que, às vezes, nem eu sei quem
sou. Como já ouvi dizer, todos nós somos atores e escolhemos o melhor de nós
para mostrar.
Eu não
tenho nada de excepcional. Saí da casa dos meus pais com quarenta anos. Fui
motivo de piada por ter saído tarde. Porém, morar com eles era tão cômodo...
Perguntaram-me
uma vez o que me levou a sair da casa deles. Embromava, porque não queria
pensar muito nisso. Era um assunto estranho e desejava empurrar para as
profundezas de mim.
Tudo
começou com uma lembrança antiga, de quando tinha uns três anos. Estava com
meus pais numa praia deserta. Minha mãe me distraía, enquanto meu pai carregava
algo pesado. Recordo-me que, mesmo brincando com minha mãe, eu sentia um
desconforto. Para onde o papai ia com aquele peso e por que pegou uma pá
depois? Minha mãe ria nervosa para mim e me chamava atenção para o castelo de
areia que fazia. Eu estava feliz, entretanto, algo não fazia sentido.
A maré
subiu e o castelo se desmanchou. Chorei, meu pai me pegou no colo e fomos
embora. O silêncio entre eles era sufocante. Depois, os dias correram e me
entreti com outras coisas. Até então, tive uma vida muito boa, mas algo
aconteceu dali pra diante.
Ao
chegar a minha casa, meus pais estavam absortos pela televisão.
Olhei
e exibia uma reportagem sobre um corpo encontrado numa praia havia muitos anos.
Eles perceberam minha presença e me olharam friamente. Fui dormir e, intuitivamente,
tranquei a porta do quarto. Semanas depois, já morava em outro lugar.
Meus
pais resolveram fazer uma viagem e disseram que ficariam fora por muito tempo.
Não sei onde estão. A única conclusão a que chego é que nunca conheci meus
pais, realmente. Só me mostravam o que lhes convinham.”
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