quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Íntimos e Estranhos



"Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.”



“Coisa estranha isso, né? Não conhecer as pessoas. Pior que, às vezes, nem eu sei quem sou. Como já ouvi dizer, todos nós somos atores e escolhemos o melhor de nós para mostrar.

Eu não tenho nada de excepcional. Saí da casa dos meus pais com quarenta anos. Fui motivo de piada por ter saído tarde. Porém, morar com eles era tão cômodo...

Perguntaram-me uma vez o que me levou a sair da casa deles. Embromava, porque não queria pensar muito nisso. Era um assunto estranho e desejava empurrar para as profundezas de mim.

Tudo começou com uma lembrança antiga, de quando tinha uns três anos. Estava com meus pais numa praia deserta. Minha mãe me distraía, enquanto meu pai carregava algo pesado. Recordo-me que, mesmo brincando com minha mãe, eu sentia um desconforto. Para onde o papai ia com aquele peso e por que pegou uma pá depois? Minha mãe ria nervosa para mim e me chamava atenção para o castelo de areia que fazia. Eu estava feliz, entretanto, algo não fazia sentido.

A maré subiu e o castelo se desmanchou. Chorei, meu pai me pegou no colo e fomos embora. O silêncio entre eles era sufocante. Depois, os dias correram e me entreti com outras coisas. Até então, tive uma vida muito boa, mas algo aconteceu dali pra diante.

Ao chegar a minha casa, meus pais estavam absortos pela televisão.

Olhei e exibia uma reportagem sobre um corpo encontrado numa praia havia muitos anos. Eles perceberam minha presença e me olharam friamente. Fui dormir e, intuitivamente, tranquei a porta do quarto. Semanas depois, já morava em outro lugar.

Meus pais resolveram fazer uma viagem e disseram que ficariam fora por muito tempo. Não sei onde estão. A única conclusão a que chego é que nunca conheci meus pais, realmente. Só me mostravam o que lhes convinham.”


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