quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Tóxica




Quando nasceu, a mãe pereceu e as flores murcharam. Diziam que era maldita, mas, a velha empregada não desistiu da menina.

Cuidava dela com luva, máscara e percebeu que apesar da criança ser tóxica, o  seu olhar transbordava amor. O tempo passou, o bebê tornou-se uma jovem "feinha", entretanto, era muito caridosa com todos, para não envenenar ninguém. Lembrava-se de cada morte de bichinhos, que tocou por curiosidade quando pequena. 

À medida que seu amor aumentava, sentia que se tornava mais tóxica. Por isso, colocava roupas e luvas impermeáveis e dormia num quarto especial, o qual protegia o mundo de seu veneno. Aonde ia, os habitantes acostumaram-se ao vê-la travestida de  astronauta.

Habituara-se à solidão e a achava necessária, assim, ninguém se machucava.  Ajudar a todos se tornou sua alegria e compartilhava seus sentimentos com a velha empregada que a salvou do medo e da ignorância humana.

Começou a pensar como poderia morrer em paz, sem contaminar o ambiente. Decidiu fazer uma manta especial e deu orientações para a senhora cuidar de seus restos mortais. Torcia falecer primeiro,  só confiava em sua "bá" para fazer o serviço.

Anos se passaram e as duas estavam cada vez mais unidas. Quando a velha empregada estava muito doente, pediu-lhe para tirar a máscara e lhe dar um beijo na testa. Disse para confiar nela. A outra sentiu medo, porém, cedeu ao pedido. 

Ao tirar o capacete entrou, pela primeira vez, em muitos anos, em contato como o mundo e se sentiu desprotegida. Beijou a empregada que fora sua mãe. Percebeu que a senhora não passou mal e que nada morreu ao seu redor. Estava curada. 

Então, percebeu o sacrifício que sua “bá” fez, chorando de tristeza e alegria. Agora, entendia o porquê de a senhora rezar baixinho por horas a fio em todos os recantos da casa. Apesar de usufruir a liberdade, sentia culpa.

Precisou de certo tempo para assimilar sentimentos tão conflitantes.


domingo, 15 de outubro de 2017

horário de verão


De tocaia





Está tão absorto num filme de suspense que se esqueceu de trancar as portas. Um desconhecido entra e o espreita, segurando uma faca. Mas, o vizinho viu alguém a entrar na sua casa e pega a arma...

Quem escreve esta narrativa, fica tão compenetrado que não percebe alguém entrar  no recinto. Quando está prestes atacá-lo, uma naja surge e o pica. O dono da casa além de ser escritor, gosta de criar cobras venenosas.

“Não adianta, estou sem inspiração. Vou apagar esta porra e dormir. Mas, ainda sinto que tem alguém na casa a me observar... Tomara que a noite acabe bem, apesar de sentir um peso no peito e pensar em Helena.”

“Quem ele pensa que é, para me descartar. A última coisa que verá, será meu rosto gozando ao vê-lo morrer. Daria uma cena maravilhosa para o seu livro, não? Sempre foi um escritor medíocre.”

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Akira


Quando acordo, ela não vem. Já me conhece a danada.
Ela sabe que quando acordo, continuo a dormir e o processo do meu acordar se assemelha a um parto.
Quando estou acordado totalmente, ela começa a me lamber, para tirar a placenta que me envolve.
Depois, começa brincar, a latir e a se distrair com outras coisas.
E eu corro para tomar banho e começar o dia.