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“- Quero ter uma filha de pele branca como a neve que está
caindo, cabelos pretos como a madeira desta janela e boca vermelha como o
sangue que saiu do meu dedo.” ( Trecho da história
Branca de Neve)
Antônia
odiava o enteado, pois ele era o reflexo de sua juventude quando a chamavam de
Branca de Neve. Quando se olhava no espelho e perguntava se havia alguém mais
belo que ela, o enteado aparecia. A cada dia não o suportava mais,
principalmente, quando lhe perguntavam se era seu filho.
Alvo
sempre despertou curiosidade nas pessoas, devido à beleza que possuía. O pai,
já falecido, disse-lhe uma vez, na gestação, que a mãe sonhou com neve e por
gostar muito da história da Branca de neve teria tido um filho tão delicado e
puro. Morreu logo depois do parto, mas viu o sonho se concretizar. O menino
nasceu branco como a neve, cabelos pretos e lábios avermelhados. Alvo vivia em
mundo à parte, nem percebia a ira silenciosa de Antônia.
A
madrasta, mesmo muito bela, não tinha mais o viço da juventude e nem a
inocência do menino. Outrora, era como Alvo, vivia cada instante sem pensar
muito. Todos que o viam o admiravam como se fosse uma divindade e Antônia se
sentia usurpada, já que no passado, era ela a Deusa. Não queria só matá-lo, mas
corromper sua imagem imaculada. Então, contratou o filho do jardineiro, Robson,
um rapaz galante e vivido, para seduzi-lo.
Alvo
não entendia as investidas e começava a sentir medo de Robson, que ficou com
orgulho ferido, pois seduzia tantas pessoas e já passara uma noite com Antônia.
Ele se perguntava por qual motivo aquele menino fugia tanto dele.
Um
dia, Robson o agarrou e Alvo o empurrou com todas as suas forças e, pela
primeira vez, saiu da mansão sozinho. O casarão ficava no meio da mata fechada.
Perdido, atravessou a floresta e se lembrou da história de Branca de Neve, que
o pai lia todas as noites quando ele era pequeno. Começou a ver as árvores se
transformarem em monstros e o perseguirem. Correu muito até descobrir um
barraco para ficar, deitou na primeira cama que encontrou e dormiu.
Ao
acordar, encontrou sete anões. Na verdade, eram irmãos órfãos que trabalhavam
muito duro para sobreviver. Encontraram Alvo deitado. Apesar de suas aparências
duras, tinham um bom coração e o esperaram acordar. Eram pessoas comuns e
não estereotipados como algumas histórias que Alvo leu, quando criança.
Estranhou
aquelas pessoas, mas os olhos espelhavam a mesma bondade que os de seu pai.
Revelou toda sua história, inclusive, o desprezo da madrasta.
Os
anfitriões resolveram lhe dar um tempo, para decidir qual caminho seguir. De
repente, apareceu Bruta, uma jovem criada desde menina pelos anões. Quando ela
olhou para Alvo, percebeu a feminilidade que nunca teria em sua existência. E
no primeiro momento, amou Alvo.
Cortejou-o
desde o início e o rapaz começou a gostar de ficar perto dela. A força e o
cuidado de Bruta o confortavam e o ensinava a ser mais forte.
O
tempo passava, mas Antônia queria aniquilar Alvo. Falou com sua madrasta, pois
sabia que era a pessoa certa para fazer o serviço. Era uma criatura detestável,
que no passado odiou Antônia, por fazê-la se lembrar de quando era jovem.
Muitas vezes, consideramos que o mundo não tem muita criatividade. Entretanto,
na verdade as histórias sempre se repetem como um labirinto de espelhos.
Antônia
tinha capangas espalhados nas redondezas e descobriu o paradeiro de Alvo. A
velha recebeu o serviço com prazer e poderia contar com a ajuda de Robson.
Quando foram embora da mansão, Antônia olhou-se no espelho e se lembrou de
Alvo. Refletiu que o menino nunca tinha feito nada contra ela, seu único erro
era recordá-la de quando era jovem. Sentiu-se seca por dentro e as lágrimas
escorreram em seu rosto belo de mármore. Chamou um capanga...
Alvo
arrumava o barraco com muito afinco, queria agradar Bruta e os anões, quando
escuta alguém a chamar, era uma senhora que pedia água. Deu-lhe um copo e a
idosa lhe ofereceu um bombom. Quando ia abri-lo, escuta um tiro. A velha cai
inerte ao chão e mais adiante Robson está sem vida encostado na árvore. O
capanga que Antônia chamou surgiu, disse para não comer o bombom, por estar
envenenado e vai embora.
Dias
se passaram e chegou um advogado. Alvo, Bruta e os anões estavam almoçando
felizes e ao verem o estranho assustaram-se.
O
advogado disse que estava em missão de paz e revelou que sua cliente Antônia
havia falecido, deixando tudo para Alvo.
O
rapaz chorou. Mesmo com a indiferença da madrasta, sentia-se conectado a
ela e, com sua morte, uma parte dele também se foi.
Olhou
para o céu contemplou as nuvens. Sentiu-se liberto de uma prisão que antecedia
sua existência por gerações.
***
No
primeiro relato confesso que omiti uma informação importante. Na verdade,
Antônia forjou sua morte para ter uma nova vida. Vejo-a caminhar na imensidão
do deserto, a procura de algo que não sabe ainda o que é.